sexta-feira, 1 de junho de 2007

Sérgio Maggio

Crítica canção para se dançar sem par
Verdades de uma criadora

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Curado encena idéias e intenções de Alfaia: Sinceridade e oscilações


O espetáculo Canção para se dançar se par, como o próprio título sugere, debruça-se sobre o que é urgente para o homem urbano do século 21: a solidão, tema que parece ainda mais apropriado para discussão quando se nasce e se vive em Brasília, caso da autora Andréa Alfaia, que assina também a direção. O texto e as idéias, que circulam no palco do Espaço Cena (205 Norte), assumem discurso em paridade com as angústias do nosso tempo. Essa verdade faz da montagem exercício de teatro reflexivo sobre época que impele as pessoas ao caminho a sós. As primeiras frases do personagem Antunes, repetidas sob diversos impactos de sentimentos, revelam a sensibilidade dessa artista, independentemente do resultado, e do alcance, obtido com a encenação.

“Quero uma canção suficientemente forte para te fazer acreditar que você nasceu para ser só. E para eu acreditar que você é só. E então eu me aceite assim sem você. Quero esquecer. Mas é que só de pensar em te esquecer, me desespero. Me desespero mesmo – não é birra de criança ou de adulto tolo! Sou unicamente teu, tua, a tua vida é minha, é minha no meu coração. Esse desabafo, essa vontade de voltar no tempo e fazer tudo certo: saber a cor que você mais gosta sem nunca perguntar. Estou com saudades de sentir o gosto de cerveja numa boca amanhecida que não dormiu. E isso tudo te pertence também. Por que você não levou com a mudança? Eu que fique com a casa entulhada? Te amo! Pára de bobagem.”

O trecho, que permeia o espetáculo, é encenado em atmosfera cênica contemporânea. Palco nu, com copos de plástico transparente, montados em “escultura” que se desfaz ao longo da atuação de Arthur Tadeu Curado. Áudio com o comando de voz para algumas rubricas do texto. Música crua, Try a little tenderness (de Otis Redding, na voz de Cássia Eller, é repetida junto com aquele trecho), e atuação que se propõe a cruzar por várias matizes e tensões dramáticas. O resultado, no entanto, oscila dentro do que parece mais uma experimentação, e ainda busca de Alfaia e Curado para as inquietações artísticas.

O texto, por exemplo, cai quando deixa de ser reflexivo para se encaminhar ao coloquial. Essa constante variação de linguagem cria vício dramatúrgico (fica descontraído toda vez em que se fala com a platéia; ou mostra-se dramático nos diálogos internos). Também a repetição do trecho, recurso interessante a princípio para pontuar a angústia do personagem, torna-se óbvia em alguns instantes (espera-se que ele diga exatamente aquilo naquele exato minuto). A interpretação insegura de Curado amplifica essas turbulências. O naturalismo proposital é, por vezes, desleixado demais. Sem maturidade cênica para a proposta, o ator não alcança o desafio de criar um Antunes dissecado por um emaranhado de sentimentos. No entanto, tem nítida afinidade com a proposta de Alfaia, o que dá autenticidade ao espetáculo. (SM)


CANÇAO PARA SE DANÇAR SEM PAR

Espetáculo com texto e direção de Andréa Alfaia. Com Arthur Tadeu Curado. Hoje e amanhã, às 21h; e domingo, às 20h, no Espaço Cena (205 Norte, Bl. C, 3349-3937). Ingressos: R$ 20 e R$ 10 (meia).

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